segunda-feira, 18 de julho de 2011

"Cilada.com" de José Alvarenga Jr. 2011


Geralmente escrevo sobre filmes que gosto muito, mas às vezes também escrevo sobre filmes que me revoltam, afinal o cinema nacional é feito em grande parte com dinheiro público, então ao meu ver, a produção precisa me convencer que 'nosso' dinheiro foi bem empregado, o que não é o caso deste filme.

Não me considero uma super defensora do cinema de arte e de um cinema super reflexivo, às vezes, acessado por uma minoria, pois só é possível um 'ganha-pão' como profissional do cinema, numa produção que se encaixa em padrões de mercado, com feedback financeiro e captação de recursos. Sem dinheiro, muitos filmes não são possíveis, então um mercado é necessário.

Porém, fico revoltada, quando as produções parecem desperdiçar boas oportunidades, ainda que elas possam ser discutidas fora do espaço da sala de cinema, mas sem um bom repertório, sem uma boa mediação, algumas passagens importantes do filme podem ser absorvidas de maneira imatura e vulgar, comprometendo mais uma vez, a importância de se discutir determinados assuntos.

Reforço: não sou contra o cinema de circuito comercial, com efeito anestésico (aquele que não faz o público pensar, apenas relaxa) porque também gosto e preciso dele, mas sou contra o desperdício de boas oportunidades de se fazer um cinema com mais qualidade e que não ridicularize questões fundamentais a serem discutidas perante a sociedade.

Sou contra o esvaziamento da massa! 
É necessário haver espaço para tudo, tanto relaxar, como refletir!

Vamos ao filme!!

O filme é engraçado?! É...arranca boas risadas, mas é exageradamente vulgar. 
Excesso de palavrões, excesso de humor, excesso de descaso com a vida alheia.

Traz questões interessantes?! Traz....mas de maneira superficial e contextualizada de maneira inadequada. Porque inadequada?! Porque só traz essas questões, com o objetivo de provocar risadas e manter o público anestesiado, sem buscar reflexão ou aprofundamento. Busca a atualidade, sem questioná-la. E finaliza a história com o maior dos clichês: final feliz para todos! Num contexto 'real', seria um final improvável!

O filme conta a história de Bruno, um publicitário inconsequente, que trai a namorada de forma espetacular (flagrado no palco de uma homenagem durante o casamento da prima), e por vingança, ela, Fernanda, coloca um vídeo, de uma transa super rápida dos dois, na internet.

É esse suposto vídeo que vai desencadear o restante dos acontecimentos. Primeiro Bruno tenta reverter a situação, contratando um cinegrafista-pseudo-cineasta, para filmar alguma super transa atual e mostrar que não é o "Sr. Ejaculação Precoce" que todos julgam. Mas todas suas tentativas fracassam, num estilo tosco das comédias Adam Sandler, e ele parte então para o perdão da amada, reconhecendo seus vacilos e tentando reconquistá-la.

A questão do vídeo na internet é super interessante para discutir com os adolescentes, que impulsivamente costumam expor suas vidas na Internet, sem ter consciência do alcance.

O filme traz uma amostra dos desdobramentos de um vídeo de sucesso (muito acessado), com a remixagem do original no "Funk do coelho" e a presença da Fernanda em um programa de televisão, onde o auditório debate e a apresentadora traz a opinião de especialistas sobre ejaculação precoce, sem permitir que Fernanda, ou depois, Bruno, consigam de fato, defender seus verdadeiros pontos de vista.

Superficialmente demonstra a projeção que um vídeo postado na Internet pode alcançar: acesso grande de público, novas colagens em vídeo, repercussão na mídia, perda de controle (a namorada retira do ar, mas ele continua circulando por outras fontes) celebridade de rápida duração, exposição da vida pessoal, reconhecimenhto na rua, convite para entrevista, manipulação de objetivos e reais condições do vídeo, etc.

Todos os personagens riem e ridicularizam Bruno, inclusive a namorada, que não tem noção da projeção que o vídeo pode tomar. O filme só reflete espectadores passivos, que se divertem com o sofrimento alheio, típico da nossa sociedade. 

E em determinada cena, ainda ridiculariza um 'cinema' autoral, do cinegrafista "Marconha". 

Parece quase uma mensagem: ei cineastas-panacas que fazem coisas sem sentido!!! Quero ver vocês fazerem o público rir da desgraça alheia com essa baboseira!!!

Enquanto os envolvidos na produção de "Cilada.com", enriquecem as nossas custas, tamanha é a publicidade, bons filmes, com questões importantes, continuam à margem da sociedade, muitas vezes recusados por um público condicionado a apreciar apenas aquilo que relaxa a mente, ao invés de instigar a reflexão.
A própria questão do preconceito reaparece, onde o protagonista é ridicularizado, mas também ridiculariza, debochando de mulheres que falam errado, ou tem mau hálito, ou são mais liberais, e ainda, filma sem autorização, suas aventuras sexuais, incluindo um total desconhecido (Marconha) em situações de intimidade.
E para coroar a ridicularização das diferenças, mostra um ator negro e gordo na nudez total, sem qualquer motivação sensível, apenas para provocar ainda mais risos, diante do desencontro com a faxineira de Bruno. Por quê? Para quê?!

Em nenhum momento a sinceridade, franqueza ou respeito são protagonistas. Mas ainda assim, o personagem se dá bem, com um caprichado pedido de desculpas e um 'te amo' nunca pronunciado, reconquistando sua ex-namorada, encerrando os péssimos acontecimentos do filme. 

A super exposição e sua demissão são levadas na brincadeira, como se tudo fosse simples assim e as consequências tivessem pouca repercussão na vida das pessoas envolvidas. Só o amor importa, nada mais! Bela baboseira...

Não foi só uma traição para ser dialogada na intimidade, mas um espetáculo do absurdo na frente de toda família e amigos. E a vingança posterior, foi uma super exposição na Internet e na televisão. Não acho fatos tão simples de serem superados sem maturidade. Dois totais imaturos numa relação. É necessário muito mais diálogo e desdobramentos para uma solução tão simples!

Enfim, se eu amassaria o filme e jogaria no lixo sem piedade? Não!
Com mediação, pode ser uma importante ferramenta de discussão, porém sem ela, esse filme é um risco, um desperdício ao dinheiro público, onde obras mais criativas, nem sempre reflexivas, são mais interessantes que essa!

Nenhum comentário: