domingo, 27 de junho de 2010

"Irreversível" de Gaspar Noé 2002

Forte e angustiante, Noé nos traz uma experiência visual única.
Uma forma ousada de explorar a linguagem cinematográfica, tão esgotadamente linear.
Um quebra-cabeças que vai sendo montado de plano em plano.
Impossível ver apenas uma vez. São necessárias duas vezes para se ter certeza da construção visual que é proposta, pois aquilo que parecia tão desnecessário, torna-se fundamental.
Através de longos planos-seqüências, o filme narra de trás pra frente os eventos tensos que envolvem 3 personagens: Alex (Monica Bellucci), Marcus (Vincent Cassel) e Pierre (Albert Dupontel).
As primeiras cenas são tensas, instáveis, quase um desperdício de imagem, mais parece uma câmera ligada "acidentalmente", porém ao passar do tempo, percebemos que ela se estabiliza, as cenas ficam mais claras, assim com os diálogos naturais e descontraídos, até chegar ao incômodo da clareza, coroado pela angustiante cena de estupro.
Uma cena crua e longa, tal qual um estupro é.
Sem penúmbra ou trilha para amenizar, apenas um silêncio de horror, "sufocado" pelos gritos e comentários impronunciáveis do estuprador, num plano estável, desesperadamente incômodo e sem cortes.
É tão real que é inevitável sentir-se culpada por simplesmente estar ali, vendo (ou quase vendo).
Neste ponto, tudo visto até então, começa a fazer sentido.
Tudo começa com um diálogo pessimista de dois supostos pedófilos em planos fechados, mal recortados e sufocantes, apenas coadjuvantes de um cenário brutal.
O ponto de partida para eventos irreversíveis, frutos dos atos do pior lado do ser humano, originados de uma inconsciência desconhecida à ciência, mas freqüentemente retratada na vida real.
Na boate "Erectus", a polícia retira o ferido Marcus, o namorado inconseqüente, e o algemado Pierre, o ex-marido, um intelectual e ainda apaixonado por Alex, totalmente inexpressivo, um assassino brutal de primeira viagem, saciado pela vingança, após destroçar furiosamente o rosto do suposto estuprador de Alex.
Sem ao menos saberem o rosto do culpado, mas incendiados pelo ódio da vingança, a dupla de amantes de Alex, partem numa busca tensa e desesperada, sem medir qualquer conseqüência.
É com esta tensão que o filme começa e descresce, apresentando banalidades da vida, desde ler um livro num parque, conversar com o namorado depois de fazer sexo, tomar um banho, fazer um teste de gravidez, receber a ligação do ex-marido e amigo para ir a uma festa, ir a uma festa, brigar com o namorado porque ele bebeu, drogou-se e ficou engraçadinho demais, (imaturidade indesejável num futuro pai) e ao ir pra casa, escolher o caminho errado.
Simplesmente o caminho errado, na hora errada, cruzando com a pessoa errada.
Uma bela mulher violada, humilhada, violentada, desfigurada e talvez sobrevivente.
Um namorado irresponsável e imaturo, machucado, abalado e talvez sobrevivente.
Um ex-marido sexualmente frustrado, totalmente apaixonado, intelectual e condenado.
E um estuprador completamente ileso.
É necessário estômago, pois Nóe recusa qualquer final feliz, ainda que apresente a bela Alex num plano final, serena, colorida e cheia de vida, mas que sabemos estar completamente condenada ao irreversível.

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