sexta-feira, 10 de setembro de 2010

"Chico Xavier" de Daniel Filho 2010

Brasil. País de fé e sincretismo religioso. Talvez maioria católica. Talvez.
Para os que vem de fora, um povo acolhedor e alegre, mas também violento e injusto.
Para mim, apenas meu país, lugar de oportunidades, dificuldades, acertos, relações familiares, sociais, amorosas. Lugar de intensas emoções e experiências vividas. Lugar de eternas lembranças. O meu lugar, meu lar.
Assistir a Chico Xavier exige no mínimo, mente e coração aberto. Qualquer um que se proponha a assistir um filme sobre um homem, personagem da vida real, em suas experiências de vida espirituais, ainda que duvidosas para muitos, necessita realmente de coração e mente abertos.
O filme não se propõe a convencer, panfletar, narrar todos os momentos e atos de Chico Xavier, mas apenas estar lá, participar, deixar fluir de forma simples as construções de vida de um homem simples, singular, amoroso, curioso (aos nossos olhos), talvez.
Como ponto de partida para contar sua história, Daniel Filho, consagrado diretor de novelas e filmes globais, escolheu partir da entrevista que Chico deu ao programa de tv "Pinga-fogo".
E entre tantos pontos de vista, como o de Chico, da plateia de fé, do apresentador, espectadores, de alguma forma, sinto que o verdadeiro ponto de vista é do personagem Orlando (Tony Ramos), diretor de imagens, cético, ateu, que nos bastidores da televisão, decide a melhor imagem, corta de uma câmera para outra, conduz o apresentador em perguntas, comentários, finalização do debate. Ação que parte qualquer fio harmonioso de continuidade espiritual, já que nem sempre conseguimos ouvir o que Chico fala na entrevista. Quebra brutal do encantamento.
Mas como eu disse, Daniel Filho (o diretor) não pretende nos convencer de nada. Somos meros espectadores de uma vida que aconteceu no real e na construção do real. Não paramos por nenhum instante para apreciar o que nos acontece na vida real, porque o tempo não pára, a carne não pára, o ciclo é contínuo. Enquanto escrevo aqui neste blog, outros dormem, outros trabalham, outros choram, riem, estudam, caminham na rua, nascem, morrem. Contínuo ciclo da vida, seja de desencarnações ou encarnações, a vida pulsa nas veias e não espera.
Então, enquanto Chico encanta (ou desencanta) com suas palavras, há o diretor de imagens ateu, sua esposa em profunda tristeza pela perda do filho, há os espectadores de fé e os sem fé, o apresentador, os entrevistadores maliciosos, há todos, nós todos, vibrando, vivendo, pulsando.
E nesse pulsar, pulsam fragmentos da vida de Chico. Da incompreensão humana diante de sua suposta (ou não) mediunidade. Da família de muitos filhos, poucas mães e amigos. Infância sofrida, mas suportável. E na força da vida, Chico se encontra. Encontra em si uma extensão de vida, encontra na paz do outro, sua própria paz, ou tiquinhos de paz. Naquele que conforta, seu próprio conforto. E talvez essa, seja a essência de Chico. Independente do que acreditamos, essa verdade, parece a mais próxima do possível. Chico foi um homem de bem e buscava a paz.
Provável vida sem vícios, desvios, distrações e maldades.
Só os maliciosos enxergaram e enxergam malícia.
Questionado, ridicularizado, Chico parecia sempre contornar com graça cada comentário agressivo que recebia, como todo ser iluminado, de bem e em paz.
E para coroar tamanha simplicidade, Daniel Filho conduziu impecável, bons atores (em suas performances esperadas e inesperadas), bons cenários (bem retratados em belíssimas fotografias e regras de proporção e harmonia), bons diálogos (mesmo em falas "caipiras"), boas amarras narrativas, valorizando o melhor do filme, e raro no cinema nacional: um bom roteiro.
Mesmo passando longe de construções narrativas complexas de ficção, dramas densos e retratos de violência urbana do país (geralmente tema comum dos filmes que se destacam no cinema nacional, além dos fracos filmes globais), Chico Xavier possui um bom roteiro.
Busquei do começo ao fim encontrar alguma fala óbvia, como se encontra normalmente em filmes fracos e tolos, alguma construção narrativa superficial das relações familiares e sociais (como as vistas nas novelas), algum indício que pudesse desvalorizar tecnicamente ou narrativamente o filme. Nada. Não fui afastada uma vez sequer do filme, ao contrário, fui contagiada gradativamente a entrar nessa história, de corpo e alma. Entreguei-me e encantei-me.
"Chico Xavier" é para mim, tecnicamente impecável e talvez, um dos melhores filmes que eu já tenha assistido no cinema nacional. Teria orgulho de vê-lo representar meu país. País de fé e sincretismo religioso. Alegre, acolhedor, mas violento e injusto.
De mente e coração abertos, fui espectadora da construção cinematográfica de Chico, e de uma certa forma, da sua obra em vida, que permanece contínua, constante, aberta, eterna.
Se fui espectadora, do previsível senso-comum, não me importa, a paz me importa mais.

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