"O gato bebe leite, o rato come queijo, e eu sou um Palhaço!"
Selton Mello escreveu (em parceria com Marcelo Vindicatto), estrelou e dirigiu este filme belíssimo sobre a crise de identidade de Benjamin, eterna busca humana retratada em um jovem palhaço (Pangaré), filho de palhaço (Puro-Sangue - Paulo José), que só possui uma certidão de nascimento surrada e passou a vida no 'Circo Esperança'.
Vida difícil, meio 'nômade', sem residência fixa ou condições normais numa sociedade tão apegada ao 'material' como a nossa, porém cercada de pessoas do afeto, que tão aventureiras quanto, dedicam-se a viver com certa liberdade, brincando com a arte. Uma metáfora de quem faz um cinema 'livre' talvez?! É difícil, dá trabalho, mas no fundo, vale a pena!!
Assim como o circo, esse cinema delicado, de ritmo lento e com uma direção de arte belíssima, 'quase' atemporal, é cada vez mais raro e valorizado por um público inserido numa sociedade midiatizada, sedento por frenesia e êxtase. Filmes-anestesia não faltam, mas "O palhaço" distancia-se do lógico e narrativo, para ser um devir, um acontecer.
É um longa trajado de curta, pois se constrói em ações, silêncios, olhares e recortes. Explora o conflito interno de um Palhaço que não ri, através de seus olhos vagos, ombros caídos e sono inquieto. Pouco sabemos sobre o passado dos personagens, pouco vislumbramos seu futuro, parecem todos, congelados no tempo, mas o filme carrega ingenuidade e profundidade, própria de personagens que cresceram protegidos pela fantasia do circo, ainda que disposto de uma dura realidade do desapego material.
Benjamin encontra-se numa encruzilhada e o ventilador que tanto deseja, sugerido pela amante do pai, torna-se um cego objetivo, uma busca por identidade. Porém sem dinheiro e sem documento, como adquirir algo numa sociedade exigente por provas de existência?! Em nosso mundo, a palavra não tem mais valor, apenas o papel. Papel que nos identifica, que compra, troca, explora, violenta. RG, CPF, comprovante de residência, dinheiro!
Em certa altura do filme, em mais uma passagem do circo por uma cidade pequena, Puro-Sangue (Paulo José), pai de Benjamin, conversa com um forasteiro, que diz que o homem deve fazer o que nasceu para fazer e com a mais singela das frases, cativa qualquer coração sensível, com a sabedoria de um viajante: "O gato bebe leite, o rato come queijo e você deve fazer o que sabe fazer!" Um jeito simples de aconselhar o outro a fazer o que se gosta de fazer, o que se sabe fazer de melhor, ainda que valha a pena arriscar-se, só para descobrir o que realmente se gosta.
Puro-sangue repete essa frase para Benjamin no auge de sua crise de identidade, mas completa com '...e eu sou um Palhaço filho!" pois é tudo que lhe restou na vida, que é apaixonado e sabe fazer. Pangaré não sabe, então vai procurar numa vida estável, com emprego e residência fixa, sua verdadeira paixão. Como era de se esperar, resta-lhe tédio, mas ao ouvir os colegas do trabalho rindo, Pangaré finalmente sorri. E se antes questionava "Quem vai fazer o palhaço rir?!", percebeu que fazer os outros rirem é seu combustível, sua grande paixão.
Contente e com o novo ventilador debaixo do braço (sua identidade recuperada) volta para o circo, certo de quem é e do que gosta de fazer!
Um filme singelo, doce, delicado, que timidamente se contrapõe com os monstruosos blockbusters que se acumulam nas salas de cinema! Não que eu não goste deles, anestesiar a mente de vez em quando faz parte de uma vida em ritmo acelerado, mas quem não gosta de um 'circo' para sempre relembrar as raízes de uma 'doce infância'?!
Um comentário:
Tava em dúvida se assistia a esse filme.. Agora vou assistir! ;) Parabéns pelo texto!!
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