sexta-feira, 17 de junho de 2011

"Potiche - a esposa trófeu" de François Ozon 2010


Foi a 1ª vez que pisei no Paradigma Cine Arte e já de início percebi a diferença de um espaço alternativo com o tradicional cinema de Shopping Center. Não havia pipoca, nem diversas guloseimas, nem uma grande bilheteria. Apenas um homem na porta, vendendo as entradas, acomodado numa mesinha improvisada com algumas balas e água de coco, tudo bem natural!

As entradas eram plásticas e retornáveis. O público era alternativo e mais "maduro" (pra não dizer idoso). A sala e a tela eram pequenas e os lugares não eram marcados. Tivemos que sentar na fileira da frente. Não chegava a ser improviso, mas a sala parecia ter sido adaptada para sessões de cinema e não "fabricada para este fim". Tudo bem! Serviu mesmo assim! Estava tudo ótimo, inclusive o mentos no lugar da pipoca!

E qual a relação dessas impressões do espaço com o filme? Lugar alternativo para um cinema alternativo!

"Potiche - a esposa trófeu" é um filme divertido com pitadas de sarcasmo e faz parte do Festival Varilux de Cinema Francês, promovido pela UniFrance Filmes, com apoio das Alianças Francesas, correndo várias salas de cinema pelo país.

O filme começa com a caminhada matinal (cooper) de uma bela senhora, impecavelmente loira. Enquanto ela corre e respira metodicamente, os letreiros aparecem e se intercalam em fragmentos com o cenário. Só com a abertura, acompanhada de uma trilha alegre e suave, já se percebe a referência aos filmes coloridos antigos. Será um filme de época?!

Ao final da caminhada, a bela senhora admira a paisagem e surpreende-se com cervos pastando, coelhos acasalando (dando o tom de humor sarcástico que todo o filme terá) e com seu amigo esquilo na árvore. Ela abre um caderninho e compõe uma espécie de poesia sobre o esquilo. Não é uma manhã qualquer de um filme qualquer! Num conto de fadas, não teríamos coelhos acasalando!

Essa é Suzanne Pujol (Catherine Deneuve), uma mulher bonita, vivida, e aparentemente fútil.

E esta poderia ser uma típica história de uma dona-de-casa incompreendida, sustentada por um marido rico e infiel, constituindo uma família infeliz de 2 filhos. Mas desta forma, tão previsível, este seria um filme de Hollywood, e não é!

O marido é infiel e insuportável. Não respeita Suzanne como mulher, esposa e mãe. E homem que não respeita uma mulher, não respeita nenhuma! A secretária transformada em amante fixa é a prova disto! 

Ele administra uma bem-sucedida fábrica de guarda-chuvas (segundo ponto sarcástico do filme), herdada do pai de Suzanne. E por ser um patrão explorador e inflexível, depara-se com uma greve de funcionários e ao confrontá-los, é feito refém. Para ajudá-lo, Suzanne pede um favor a um amigo, engajado politicamente com os sindicatos, Maurice Babin (Gérard Depardieu) e ela promete acatar as reinvidicações dos trabalhadores, em nome do marido, caso ele seja libertado.

Diferente do marido, ela é diplomática, além de simpática, carinhosa e compreensiva. Desempenha tarefas como caminhar, vestir-se, lembrar do remédio do marido, arrumar a cama e fazer comida quando os empregados não estão, cuidar do jardim, paparicar os filhos e netos, cantar, fazer poesias e suspirar. Mas quando pensa em emitir uma opinião, é contida pelo marido. Suzanne não deveria ousar em pensar ou dizer nada! Já é costume.

É seu aniversário e ela recebe a visita da filha e as duas conversam sobre casamento. A filha pensa em separar-se do marido, porque ele sempre viaja e ela se sente sozinha. A mãe a aconselha a não fazer isso, pois os casais precisam superar as crises e devem pensar nos filhos. Mas Joelle insiste que não quer acabar como a mãe, como uma "potiche", uma esposa-trófeu para ser exibida e que acha que é feliz, mas não é. Suzanne fica pensativa e surpresa com a afirmação da filha. Seria ela uma potiche?!

É neste contexto de rebeldia, de trabalhadores querendo melhores condições de trabalho, de uma amante querendo ser valorizada, de uma filha que não quer acabar como a mãe, de um marido que não se importa com o que a esposa pensa, que Robert, o marido, adoece e Suzanne, a esposa, casualmente assume a direção da fábrica, acolhendo seus dois filhos na administração e marcando presença entre figuras masculinas.

Ao encabeçar uma tarefa nunca realizada, Suzanne resgata sua auto-estima, e troca o caderninho de poesias por relatórios, caminhadas por passeios guiados pela fábrica e distrações por acompanhamentos das novas coleções, desenhadas pelo filho meio-artista-meio-hetero Laurent.

Mesmo quando Robert se recupera, retorna à fábrica e a boicota, Suzanne delicadamente mantém firme sua determinação em dirigir a fábrica e administrar a própria vida.

Mesmo quando Babin a seduz, ela defende sua liberdade e seu ponto-de-vista, tanto como esposa ou amante. Ela faz o que bem entende!

Esposa-trófeu que nada! Uma mulher determinada a vivenciar cada experiência que a vida lhe oferece, com leveza e simplicidade, ainda que cercada de pérolas, admiradores e casacos de pele. Suzanne desliza e suaviza qualquer tensão criada por espíritos maliciosos.

E é neste desenrolar, que ficamos surpresos. Do que mais ela é capaz? Seria ela uma projeção do que mulheres-trófeus poderiam ser?! Bem resolvidas, determinadas, suaves e delicadas? Audaciosas, sarcásticas e "ingenuamente" maliciosas?!

Em plenos anos 70, a paleta de cores do filme é suave como Suzanne. Ela está sempre bem vestida e os cenários sempre bem compostos, proporcionais e harmônicos. Com fotografia e direção de arte impecável, a libertação da mulher moderna é idealizada dentro de um núcleo familiar ideal. Tudo no filme é impecável, reforçando a ideia de uma vida idealizada, no caso, com bastante humor!

Bom seria se fosse assim, não?! Tão simples e fácil! Típico das narrativas cinematográficas!

Ozon trata com ironia, problemas típicos dos lares familiares dos anos 70, época onde mulheres ainda ocupavam determinados rótulos e lugares na sociedade, e ainda assim, através de uma história deslocada do nosso tempo, retrata alguns lares atuais, cada vez mais raros, que ainda investem com certa dificuldade, em núcleos familiares equilibrados, compostos por pais, filhos heteros e casamentos longíquos. Até quando esta estrutura falha irá se permitir? Quando novas possibilidades irão se abrir e serem aceitas, sem tabus?

Suzanne representa a libertação da mulher. "Sim, as mulheres podem" disse a nossa presidenta eleita Dilma Roussef. As mulheres são mais doces e conseguem tratar com a devida seriedade, problemas sociais, comuns a todos.

Suzanne é uma mulher realmente idealizada, que consegue administrar a casa, educa bem os filhos, cuida do marido e de si mesma, além do próprio trabalho, como se fosse a coisa mais fácil do mundo. Mas não é! Para administrar tantas responsabilidades, as mulheres precisam fazer malabarismos e fazer cada vez mais escolhas. Se uma boa profissional, muitas vezes, péssima esposa e mãe. Se boa mãe e esposa, muitas vezes uma péssima profissional! E quando boa profissional, mãe e esposa, muitas vezes mal consegue cuidar de si mesma.

Como se dedicar a mil tarefas, sem deixar nenhuma negligenciada, num ritmo cada vez mais frenético?! Talvez por isso, muitas mulheres tenham preferido se casar ou ter filhos mais tarde, ou então nem casar ou ter filhos para dedicar-se a uma profissão, permanecer mais tempo na casa dos pais, e curtir mais a vida, antes de se aprisionar a inúmeros compromissos.

Quem poderia julgar? O que importa é que estas escolhas sejam feitas por quem manda no próprio nariz e coloca a determinação em primeiro lugar, mesmo que a determinação por algo seja alterada no decorrer do tempo e das experiências vividas. "Pois é bela, é bela a vida!" canta Suzanne ao final! Viver a vida! Simples assim!

Nunca é tarde para começar. Quem sabe até, concorrer a alguma eleição?! Afinal, ser esposa, mãe ou mulher já é uma rica experiência, que pode ser aproveitada de várias formas, como no caso de Suzanne, quando ao final é eleita deputada, e discursa querer ser uma "mãe" para a França!

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