segunda-feira, 1 de setembro de 2008

“Através das Oliveiras” de Abbas Kiarostami 1994

por Alessandra Collaço da Silva

É um filme sobre pessoas fazendo um filme e suas relações entre si, contendo uma particularidade que até então eu não conhecia: uma ficção com certo ar de documentário. Como assim? Sabemos que é uma ficção (sabemos?), mas em muitos momentos parece-nos um documentário. Personagens fictícios interagem com “personagens” que nos parecem reais, que lidam com a câmera representando a si mesmos.

A cultura presente no filme, diferente da que conhecemos, torna-se um novo personagem, ou pelo menos algo que se destaca constantemente. Não há como mergulhar na narrativa sem repararmos na estética do filme, nos cenários, nos diálogos entre os personagens e na forma como transmitem as emoções e lidam com a própria cultura. A personagem que faz a produtora, assim como todas as mulheres presentes, utilizam seu “véu”. As emoções são manifestadas apenas pela fala, mas não pelas expressões. A câmera passeia no cenário, como se indiretamente o realizador quisesse nos dizer “Olhem! Esta é nossa forma de fazer cinema. Diante destas situações e deste cenário”. É uma narrativa lenta e repetitiva que parece acontecer muito mais nos diálogos que nas ações. É algo muito diferente do que estamos acostumados a assistir.

Os personagens parecem ter o perfil psicológico e físico dos próprios atores que os interpretam, mas estão inseridos num contexto diferente e fictício, interagindo entre si. Muitas vezes a conversa parece real e espontânea, mas não há como dizer quem realmente está atuando ou está apenas interpretando “a si” mesmo.

Na primeira cena do filme, o personagem do diretor fala diretamente com a câmera e explica o que está fazendo. Em seguida, interage com atrizes, figurantes ou personagens reais, que não sabemos ao certo quem é o que, e não volta a se dirigir à câmera, mantendo-se assim até o fim. Uma parte da conversa chama a atenção, quando as moças questionam “Se não podemos ver, porque fazer?”, mas ele explica que o importante não é ver, mas sim fazer. É tudo que importa. (proposital?)

Após esta cena, um longo plano se estende, constituindo a primeira seqüência. A personagem da produtora está no carro conversando com alguém. Temos uma espécie de subjetiva do carro, que nos mostra todo o cenário percorrido, mas também a “presença ausente” dos personagens, através do diálogo. Não os vemos, mas podemos “escutá-los”.

Nesta mesma seqüência, a produtora discute com uma moça sobre o que ela precisa vestir na filmagem. Na história, durante toda realização o filme, a maioria dos atores não segue o que a equipe ordena, mas quase sempre a situação é contornada para que o filme possa acontecer. Os personagens atores não são profissionais, mas pessoas comuns dispostas a participar do projeto proposto. Muito do que lhes pertence como pessoa é incorporada ao personagem, possivelmente para facilitar o trabalho da equipe. É nesta confusão que as gravações acontecem, que descobrimos um pouco sobre suas vidas e da relação que tem entre si.

O filme em si parece uma grande reflexão sobre fazer filme, não qualquer filme, mas fazer um filme inserido naquela cultura, naquele contexto e nas situações difíceis em que se encontram os realizadores. Na dificuldade de moldar os atores a seu modo e na inevitável situação de adaptar-se às limitações encontradas. Tudo isto é possível ser notado na própria estética do filme, na narrativa e no nosso questionamento sobre a atuação dos atores. Talvez seja algo intuitivo, mas algo me diz que muitos “atores” estavam apenas sendo eles mesmos. Então a pergunta: Ficção ou documentário? Algo dos dois? Nenhum? O que exatamente é este filme?

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá, Alessandra! Gostei do seu texto sobre o filme do Kiarostami. Acabei de assisti-lo, e vim para a internet procurar críticas como a sua.

Também sou estudante de cinema: faço mestrado sobre cinema brasileiro. Me chamou a atenção a sua apresentação, ali do lado. Você diz que é professora de cinema da Escolha da Ilha. O que é essa escola? Ensino médio? Com uma disciplina de cinema? Seria muito interessante descobrir isso.

Saudações,
Rodrigo