quarta-feira, 25 de abril de 2012

O feitiço virou contra o feiticeiro?


“Quem nunca coloca a televisão num canal comercial, nas noites de canseira, quando não agüenta mais ser culto, cinéfilo e esteticamente correto?” (Bergala, 2008, p.69)

Exatamente! Às vezes estamos cansados de pensar, refletir, raciocinar e resolvemos 'anestesiar' nossas mentes com programas de televisão. A maior parte da grade de programação da TV aberta no horário nobre, principalmente nos finais de semana, quando as pessoas assistem mais televisão, são recheadas de programas 'vazios e superficiais', como Faustão, Gugu Liberato, CQC, Pânico na TV, Sílvio Santos e afins. São quase 24h de pegadinhas, culto à celebridades, entrevistas supérfluas, jogos por dinheiro, palhaçadas, imitações, etc. E muitas vezes, são engraçados, divertidos, mas em outros momentos provocam revolta e uma 'vergonha alheia' enorme da humanidade, ferem nossa ética e moral!

Dedicar parte do nosso tempo para algumas risadas, quando esgotados mentalmente, não parece ser o problema, mas e quando se ocupa o tempo todo com isso? Quando nos escravizamos por novelas, séries, ídolos, músicas, como se não houvesse nada melhor para fazer e viver?! Que gosto é esse que estamos formando e 'ditando' o que consumimos?

Domingo eu estava zapeando pela tv (fechada) em busca de algo que pudesse 'tapear' minha insônia, mas só haviam reprises de seriados, coisas desinteressantes, filmes que já havia visto, e acabei parando para rir com algumas pegadinhas do Sílvio Santos, que logo se esgotaram, e depois parei no canal da Band, quando o Pânico na TV exibia uma panicat que deveria escolher entre ficar careca ou com moicano, para mostrar o espírito de uma panicat. Uma verdadeira humilhação para uma mulher, que desnecessariamente ficava careca!

Quando existia a mulher samambaia, eu até achava engraçado, porque fazia alusão às dançarinas dos programas de auditórios, presentes em todos os canais de televisão aberta, que nada fazem além de dançar, exibir o corpo e contribuir para a audiência do público masculino. Verdadeiras samambaias, enfeites, totalmente substituíveis! Valia a pena uma reflexão 'visual'!

Mas a proposta mudou, e como os programas que ridicularizava, o Pânico na TV passou a ter suas próprias dançarinas, as panicats. Mulheres em busca de fama e dinheiro, apenas exibindo sensualmente seu corpo e sofrendo as mais diversas humilhações, apenas para fazer o público rir e dar mais audiência. Mulheres se dispondo a reforçar ainda mais a imagem de 'objeto', em uma sociedade ainda machista e patriarcal. 

Talvez o Pânico na TV já tenha sido uma espécie de 'mal necessário', desmascarando os bastidores da televisão, problematizando o culto às celebridades, meros mortais, através das discussões de temas e reportagens politicamente incorretas, além de explorar a cultura popular e valorizar um público, sempre esquecido e marginalizado pela mídia.

Porém hoje, o pouco que havia de inteligente em sua proposta inicial, se perdeu. Ao conquistar um grande público, o programa passou a buscar audiência, extrapolando todos os limites possíveis de respeito, educação, ética, moral e bom senso, constrangendo desnecessariamente qualquer celebridade, explorando matérias com apelo extremo ao sexo e humor, sem qualquer critério ou uso de um jornalismo sério. E quanto mais audiência, mais dinheiro para financiar toda essa palhaçada!!

Wagner Moura, vítima recente do programa Pânico na TV, escreveu um texto bacana, refletindo sobre essa banalização da tv. "O que vai na cabeça de um sujeito que tem como profissão jogar meleca nos outros? É a espetacularização da babaquice. Amigos, a mediocridade é amiga da barbárie! E a coisa tá feia."

E nossas crianças estão vendo tudo isso! Construindo suas identidades e valores, a partir da ridicularização do outro. A valorização do 'bullying' de forma extrema! 

O filósofo da educação Jerome Bruner diz que a narrativa é “um modo de pensamento e uma expressão da visão de mundo de uma cultura. É por meio de nossas próprias narrativas que construímos principalmente uma versão de nós mesmos no mundo, e é por meio de sua narrativa que uma cultura fornece modelos de identidade e agência de membros."  

Se as narrativas televisivas de maior audiência estão explorando a ridicularização do outro e instigando o riso, o que esperar de crianças e jovens, que aprendem muitas coisas por imitação, e acabam reproduzindo o que conhecem e consomem? O que elas estão e estarão imitando e reproduzindo de nossa cultura e sociedade? Que gosto elas estão formando pelas coisas e pessoas?

O riso e alegria são necessários, mas também devem ser discutidos e problematizados se agredirem nossos valores e princípios. Qual o limite de nós mesmos? E se em casa ou espaços de lazer essa discussão não estiver acontecendo, talvez só na escola o exercício do 'pensar sobre o pensar' seja possível. 

O problema não está só no que é oferecido pela televisão, afinal somos nós que ligamos e 'escolhemos' o que assistir, financiando de certa forma, toda essa ridicularização. O problema está na falta de reflexão, nos critérios de escolha, no senso crítico, na transformação do gosto e talvez aí, da televisão.

É preciso educar nosso gosto, transformá-lo, para talvez se transformar como público e então transformar a própria televisão!

Acho que o primeiro passo é admitir para si mesmo o próprio gosto. E eu admito: já dei muita gargalhada com a ridicularização do outro. Mas ao estudar, refletir, pesquisar, passei a me envergonhar do meu próprio gosto. Deixei de me interessar por várias coisas (futebol, BBB, Pânico, novelas) e passei a me interessar por várias outras (revistas científicas, telejornais, livros, filmes cult). Mas transformar o gosto é um processo a longo prazo, nem sempre porque queremos. É preciso esforço, dedicação, vontade e interesse! Ou talvez, oportunidade!!

Talvez demore toda uma vida, mas tentar nunca custou nada, não é?!

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Referências:
BERGALA, Alain. A hipótese cinema. Pequeno tratado de transmissão do cinema dentro e fora da escola. Tradução Mônica Costa Netto, Silvia Pimenta. Rio de Janeiro: Booklink ; CINEAD/LISE-FE/UFRJ: 2008.

Bruner, Jerome. A cultura da educação. Trad. Marcos A. G. Domingues. Porto Alegre: Artmed Editora, 2011.

Wagner Moura e o Pânico na TV. Acesso em abril 2012. Disponível aqui.

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