terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

"Poesia" de Lee Chang-dong 2010


"Difícil não é escrever poesia, mas encontrá-la dentro de si!"

Este foi um dos filmes mais delicados que já vi, com uma linda fotografia e atuações bem naturais, inserido numa cultura oriental, curiosa e distante da nossa ocidental. "Poesia" é um filme sul-coreano, escrito e dirigido por Lee Chang-dong, protagonizado por Mija (Yun Jeong-hie), uma senhora de 66 anos, vaidosa, sagaz e observadora, que resolve aprender a escrever poesias, tarefa que considera difícil, quase impossível, ainda que aprecie e admire quem as escreve.


Mija trabalha como empregada-acompanhante de um senhor de idade com dificuldade de locomoção, e cuida do neto Lee Da-wit (Jongwook) de 16 anos. Sua maior alegria é poder 'alimentá-lo', ou seja, criá-lo, mesmo distante da filha. Não sabemos ao certo qual o passado de Mija, mas ainda que seja solitária, fale com a filha apenas por telefone, tenha um neto ingrato e se submeta aos trabalhos domésticos e cuidados de um velho rabugento, Mija parece sempre contente, plena e feliz!  

 
Impossível não lembrar da minha avó e seu caderninho de anotações e desenhos, onde inspirada, escreve pequenos textos, copia frases interessantes e rascunha figuras alegres. Assim como Mija, minha avó teve uma vida marcada por muito sofrimento, mas foi a 'poesia da vida' que a curou de uma depressão e devolveu seu espírito artista e vontade de viver.

Minha avó também é "meio poeta, gosta de flores e fala coisas 'esquisitas'". Mas essas esquisitices, em seu mundinho 'paralelo' ao meu, a tornam única e com uma sensibilidade aguçada. Mija é como minha avó, dócil, amortecida pelas dores da vida, guerreira e deslumbrada com as pequenas coisas.

 Desenho de Vó Teka                                                                   Mija em "Poesia"

Mas ainda que a vida pareça difícil, Mija encara tudo com o deslumbramento de uma criança e se aventura num curso de poesia, com a esperança de aprender a colocar em palavras a beleza que vê em tud, ou melhor, suas 'esquisitices'.

No primeiro dia,  o professor mostra uma maçã e pergunta 'quantas vezes 'vemos uma maçã?', 1 vez, 10 vezes, mil vezes?! 'Nenhuma', diz ele. Para escrever poesia é preciso ver, sentir, tocar, apalpar, reparar, cheirar, ouvir, morder, degustar a maçã. É preciso repará-la, e assim reparar o mundo a sua volta, as coisas mais banais e comuns. 

Fazer poesia é transformar algo banal em sentimento, em expressão, em emoção. É despertar o olhar sensível e encontrar dentro si as palavras que tentam definir este encontro.


Mija então volta pra casa e observa atentamente sua cozinha, e com o passar dos dias, observa as árvores, o canto dos pássaros, o rio, as pessoas, a vida a sua volta. Uma vizinha pergunta "O que você está olhando?!" "A árvore!" diz Mija. "Mas pra que você está olhando a árvore?!" 

E está é a sociedade em que vivemos, do 'praquê?!'. Era da funcionalidade, produtividade, da televisão, do celular, da (in)comunicação e (des)informação, do desprezo à sensibilidade, poesia e arte. "A poesia um dia irá acabar. São raros os que ainda se reúnem para apreciá-la." diz um membro do grupo de poesia. Seria mentira?! Seria o fim da arte?

                                                 Mija em "Poesia"                          Desenho de Vó Teka                                                         
Ao reparar profundamente no mundo a sua volta, Mija depara-se com a dura realidade de sua própria vida. Como uma flor, murcha ao descobrir que uma jovem garota, Agnes, se matou após abusos sexuais sofridos por um grupo de colegas da escola. O neto de Mija é um destes garotos. Os pais se reúnem e resolvem pagar uma quantia alta pelo silêncio da família da vítima. E diante de tanta beleza, Mija vê e sente sofrimento, dor, horror, nojo, desprezo, ingratidão, desespero, angústia. 

O belo sorriso de Mija se apaga. Tenta, em vão, salvar o neto, anulando-se e humilhando-se. O diagnóstico do mal de Alzheimer, e sua perda de memória, é o que menos a incomoda. Mija só consegue pensar em Agnes, garota inocente que morreu e teve sua vida precocemente interrompida pelo desespero e vergonha. 

Na tentativa de salvar o neto, Mija então se submete ao mesmo desespero, humilhação e dor de Agnes. Se submete ao mesmo sofrimento que Agnes vivenciou antes de morrer, sabendo que seu neto, tão amado, fez parte disso tudo.

 Desenho de Vó Teka                                                                   Mija em "Poesia"

Sobre flores, árvores, pássaros e dias ensolarados, Mija rascunha versos belos e desconexos, mas não consegue escrever poesia. Não consegue encontrar encaixe ou coerência. Não consegue dar unidade aos sentimentos aleatórios. Ela vê toda beleza ao seu redor, mas não consegue encontrá-la dentro de si. O mundo é tão belo por fora, mas com o passar dos dias, Mija, como uma maçã ou fruto qualquer, apodrece por dentro.

No último dia de aula, com a promessa dos alunos entregarem uma poesia, Mija, a única 'poeta', despede-se da vida, encontrando (e desencontrando) a si mesma com "A canção de Agnes".

2 comentários:

Leandro Coêlho disse...

Infelizmente perdi este filme. Ele passou num festival de cinema que tivemos aqui na cidade, porém não tive como vê-lo (bem como outros tantos filmes que gostaria) devido aos horários que chocavam com o trabalho... Mais um que fica para uma próxima oportunidade.

ally_c disse...

Corre pra ver! hehehe Achei na videoteca aqui de Floripa! =)