quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

"A árvore da vida" de Terrence Malick 2011


Eu não gostei desse filme, mas isso é uma coisa que realmente nem importa. Neste caso, gostar ou não gostar, não desmerece a originalidade e complexidade da obra de Malick. É quase como dizer que 'se gostou ou não se gostou' do (impactante) "Mictório" de Duchamp ou de alguma obra (abstrata) de Picasso.


'A árvore da vida' é a abstração em filme. É a superação da narrativa linear ou não-linear. É um filme quase não-narrativo. Surreal talvez?! É a expressão simbólica de sentimentos e da espiritualidade de um diretor de quase 70 anos e com apenas 5 filmes na carreira. Ninguém faria um filme tão pessoal e intimista se pertencesse a indústria cinematográfica ou não tivesse recusado financiamento de grandes estúdios em sua primeira realização, apenas para ter plena liberdade artística em suas criações. Os filmes de Malick não são acasos. Ele fala sobre o que o toca profundamente. Dedica seu tempo precioso em cada segundo. Ele não faz filmes, ele cria! E jamais vai à público falar sobre seus filmes. Talvez ele pensasse como Chaplin, 'quer saber sobre mim'?! Veja meus filmes!!

É poesia e também 'poetar'; é refletir sobre os sentidos da vida e da morte, questionar e refletir sobre a fé e sobre Deus, como Jó também fez.

No início do filme somos contemplados com uma passagem bíblica da História de Jó. Essa é a premissa da história que irá nos envolver. Como ponto de partida, somos apresentados à família O´brien, suas alegrias e dores, inseridos num contexto muito mais amplo, simbolizado por uma construção gradativa de imagens sobre a criação divina, sobre a fé, sofrimento e complexidade da vida humana.

Na história bíblica, Jó era o mais fiel servo de Deus e levava uma vida plena e feliz, com vários filhos, posses, riquezas e uma bela esposa. Sempre agradeceu pelas coisas boas da sua vida, até o dia em que o Diabo confrontou Deus sobre Jó. O Diabo disse que Jó era fiel por não passar por nenhum sofrimento na vida. Deus então permitiu que o Diabo testasse a fé de Jó, com a única condição de poupar sua vida. O Diabo então tirou todas as riquezas e posses de Jó, mas ele permaneceu fiel e devoto ao seu Deus. Acreditava que assim como tinha que agradecer as coisas boas, deveria agradecer pelas ruins também, pois de alguma maneira eram necessidades e desejos divinos. O Diabo então tirou a vida de todos os filhos e da esposa de Jó, para que ele experimentasse a dor e perda além da material. Jó sofreu ainda mais, mas permaneceu devoto. O Diabo então resolveu tirar a única coisa que restava, a saúde de Jó, e ele penou, questionou a Deus tamanho sofrimento. As pessoas que conheciam Jó começaram a achar que ele fez por merecer todo aquele sofrimento. Jó ainda que tenha questionado a vontade divina, teve paciência, se arrependeu e renovou sua fé. Deus então o recompensou em dobro!!

A importância da história de Jó é a reflexão sobre a necessidade da perda e da dor para fortalecer a fé. Há muitos ateus e céticos no mundo, que diante da crueldade humana, condenam Deus ou a possível existência de um, mas fortalecer a fé é equilibrar-se mentalmente e espiritualmente. Diante de um problema, reconhecê-lo, cercá-lo e superá-lo. Diante de uma perda ou sofrimento, fortalecer-se, e isso pode ser com ou sem fé divina!

Malick parece ter sido tocado pelas histórias bíblicas e transportou essa espiritualidade para o cinema e para esta história, que fala justamente da criação divina, com imagens de explosões cósmicas, combinações químicas, primeiros seres vivos do planeta, evolução das espécies, até o surgimento do homem. 

Este ser Homem é representado por uma família tradicional da década de 50, onde um casal gera 3 filhos homens. Acredito que a escolha dessa ambientação (déc. 50) se deve às as próprias experiências pessoais de infância de Malick, suas referências e vivências, que ainda não envolviam eletroeletrônicos e novas tecnologias (televisão, vídeogames, etc). A 'doce' e 'velha' infância foi um período onde nossos pais ou avós foram educados por pais rígidos, mães dóceis e submissas, e onde se brincava de bolinha de meia, correr nos campos, banhar-se em rios, etc. Bem mais 'fácil' de trabalhar, não?!

Através do primogênito Jack, conhecemos simbolicamente o desenvolvimento biológico, social e cultural humano: o nascimento, os primeiros passos, as primeiras palavras, a descoberta do outro e dos objetos, o ciúme (do irmão), o primeiro machucado, as primeiras brincadeiras, o amor. E além de tudo isso, Jack e seus pais plantam uma árvore, que simboliza o próprio crescimento, amadurecimento e desenvolvimento de Jack. "Você já terá crescido antes da árvore!"  E adulto ele sempre está rodeado de árvores altas, além dos prédios.

Jack, criança e adulto (Sean Penn), representa a ambigüidade humana, desde quando se descobre um ser, enquanto criança e quando vivencia o 'complexo de Édipo' no final da infância, ao amar a mãe (Jessica Chastain) e detestar seu pai (Brad Pitt) - de educação rígida - até o sentimento de culpa e questionamento da fé na fase adulta.

A abstração de Malick é necessária para criar a subjetividade espiritual. Os personagens pouco falam e mais agem. Refletem (em voz-over) sobre si mesmos, sobre Deus e sobre a própria fé constantemente, como também fazemos cotidianamente. "Porque ser bom, se você não é Deus?!" se pergunta Jack ao ver uma criança morrer afogada. "Porque faço coisas que não quero fazer. Posso voltar atrás?!" se pergunta Jack ao implicar com o irmão, quebrar uma janela, aprontar. Jack vive o conflito de ser alguém 'bom' ou 'ruim', quando somos além do bem e do mal, humanos demasiados humanos, diria Nietzsche.

E ainda que os acontecimentos não sejam lineares, estão todos conectados. Nós espectadores montamos as peças ao final. E é ao final que somos contemplados com a morte simbólica. A vida após vida, um encontro de reencontros, com aqueles que perdemos e com nós mesmos! Um encontro espiritual e divino, segundo Malick.

Porque eu não gostei?! Porque consegui ver toda essa beleza e profundidade, sem ter sido tocada. Não é culpa dele e nem minha. Simplesmente não controlamos nossos sentimentos e sensações, são espontâneos. Uma pena! Queria ter entrada na 'vibe', na mesma sintonia do filme! (Talvez tenham sido os tabletes distraídos de chocolate; o calor típico do verão; as bitocas e chamegos com a pessoa amada por alguns segundos; os rápidos diálogos; alguma agitação natural do dia...não sei e nem saberei!)

Aos pessimitas, recomendo que para resistir a este filme até o final, é preciso 'mente aberta' e paciência, pois Malick não procura entreter ninguém em seus projetos. Ele procura 'tocar', deixando a espontaneidade fazer seu trabalho.

E como toda semente, este filme talvez ainda precise amadurecer dentro de mim! Ou não! =)

Ps.: Amei essa definição (super divertida) do filme aqui, então recomendo! =) "O filme é um abraço!"


3 comentários:

André "Perez" disse...

Eu prefiro dizer que é bom e chato!!!

Lauro Jorge Amorim disse...

Um grande filme!Ally vc gosta do 2001 do Stanley Kubrick?Eu admito que levei tempo pra entende-lo a meu modo,antigamente odiava o filme. Hoje gosto muito dele,e tenho meio que uma teoria minha pra ele(o que o cinema faaz conosco não é).

ally_c disse...

Lembra 2001 mesmo! hehehe Qual sua teoria? =)