sexta-feira, 22 de outubro de 2010

"Náufrago" de Robert Zemeckis

Numa dessas noites preguiçosas, zapeando pela NET, deparei-me com Naufrágo. Filme já conhecido, mas prazeroso de ser revisto.
Tom Hanks empresta ao personagem Chuck um pouco do seu carisma e olhar melancólico azulado, na experiência angustiante de sobreviver diante do nada, ou quase nada.
Um operador do tempo e da comunicação, arrancado bruscamente de uma vida ativa para uma monótona vida selvagem.
Durante mais de duas horas, dividimos as mesmas angústias e silêncios do personagem. Sofremos com a partida repentina de Wilson e sentimos a mesma aflição em cada tentativa frustrada de sobrevivência.
Sentimos a dor de Chuck ao perceber um tempo que não pode ser recuperado, uma vida que não pode ser reconstruída, mas sentimos a mesma esperança de maré, que pode nos surpreender trazendo o inesperado.
A vida é realmente uma montanha russa, que não avisa sobre quedas e ascensões, corre veloz e não retorna jamais. Embalados pelo carrinho do tempo, somente avançamos e mesmo querendo, não podemos esperar ninguém, apenas reencontrar.
Século XXI, homem contemporâneo, inserido numa sociedade domesticada, vestida, condicionada, produtiva e civilizada. Homem que busca o lucro, um objetivo, um resultado, uma finalidade. Homem que se distancia do selvagem, do desconhecido, do incontrolável. Lugar das emoções, da reflexão, filosofia e arte. Lugar da expressão e da necessidade de algo.
É neste patamar que se encontra Chuck e é no inverso que ele se descobre.
Se domesticado pelas boas maneiras, boa comida, bons hábitos e recursos disponíveis, é no selvagem que Chuck precisará se salvar.
Enfrentar o medo do desconhecido, dos sons estranhos, da solidão, da falta de comunicação, e dos obstáculos, tão facilmente resolvidos com isqueiros e canivetes.
O homem contemporâneo precisa aprender a se tornar primitivo. Extrair da natureza as ferramentas de trabalho, e criar no banal, uma forma de comunicação. Na cor vermelha do sangue, um rosto, na forma humana da mão, um personagem, na imaginação de Chuck, uma vida.
E inseridos num silêncio de alma, jamais estranhamos ou ridicularizamos Chuck, afinal é na relação entre eles, que também encontramos conforto. Necessitamos de algo.
E no vazio existencial, também encontramos força de vontade.
Às vezes caçamos, comemos, trabalhamos, e como Chuck, ligamos o piloto automático "viver", mas de vez em quando, a maré nos alcança e nos apresenta uma oportunidade. Escolha nossa arriscar e nesse risco, perdas, encontros e reencontros.
E mesmo que tudo pareça tão claro, sempre há um segredinho ou caminho desconhecido a percorrer.
Jamais saberemos o que havia na caixa de asas, mas no fundo, no desejo perverso de descobrir, deliciamos o prazer do mistério.

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Ficha do diretor:


Texto interessante:


O Náufrago e as Teorias da Comunicação
de Eduardo Augusto Sabino

Original:
http://www.descobre.com/forum/showthread.php?t=1753

Náufrago é mais do que um filme. É uma das maiores heranças da sétima arte para seus apreciadores, exibindo uma jornada de esperança coragem e sobrevivência. Tom Hanks nos presenteia com uma das melhores atuações já vistas na tela. Ele é Chuck Noland, um engenheiro de sistemas da Fedex que sofre um acidente e se vê abandonado em uma ilha remota.

A obra-prima de Robert Zemeckis faz-se de grande relevância para estudantes de Psicologia e Comunicação dado que elementos primordiais do filme condizem com processos estudados nestas áreas. Com o foco no campo da Comunicação Social, percebemos a importância de comunicar-se baseando no exemplo de Chuck, um homem social, acostumado a relacionar-se constantemente que de repente se vê isolado de tudo e todos.

No início do longa, percebe-se a dependência de Chuck da comunicação interpessoal na sua profissão. A todo tempo ele usa a linguagem para dar ordens, orientar e cobrar o máximo de agilidade de seus funcionários. O personagem é alguém de extrema atividade, sua vida é demarcada em todos seus horários pelo relógio. Ocupado demais e obrigado a restringir ao máximo seus compromissos pessoais, ele deixa a namorada com a promessa de que voltaria logo e num acidente catastrófico, sua vida corrida é interrompida num lugar sem pagers, agendas ou celulares.

Desde então batalha para manter-se respirando. É interessante notar nesta luta do protagonista uma inversão na transformação humana. Se na história do ser humano registra-se uma evolução gradual do seu estado de natureza para a vida em sociedade e conseqüente criação de mecanismos de comunicação verbal e escrita, agora temos um homem no último estágio da evolução de uma sociedade sofisticada que precisa rapidamente tornar-se um selvagem para continuar vivo. Buscar água, criar instrumentos de caça, pescar, abrigar-se em cavernas e fazer fogo por meios naturais, são algumas conquistas deste indivíduo civilizado na sua lida com a natureza.
Apesar da sua adaptação a vida “pré-histórica” Chuck jamais conseguiria manter-se consciente na completa solidão. Neste ponto o filme torna-se um exemplo verídico da necessidade da comunicação na vida do ser. A loucura seria o provável fim do indivíduo que capacitado para um processo comunicativo complexo, não encontra ninguém às voltas para colocá-lo em prática. Neste momento brilhantemente entra em cena um novo coadjuvante de Holywood, a bola de voleibol que o náufrago batiza de Wilson. O companheiro inanimado tem suas expressões humanas pintadas por Chuck com seu próprio sangue, após um ferimento e é a peça fundamental de sua jornada.

No rosto simbólico de Wilson, Chuck cria um mecanismo para comunicar-se e evitar desta forma a loucura. No fundo sabia que estava falando com uma bola de vôlei no entanto, sem ela seria arremessado no desespero da solidão e perderia a razão. Wilson é mais uma das formas que encontrou para lutar com um mundo inóspito para um civilizado, reacendendo desta maneira a esperança de reencontrar a amada um dia.

A bola em termos psicológicos é parte de seu próprio eu, sua consciência que o reprime nos pensamentos negativos e desejos obscuros. Wilson possibilitava ao mesmo tempo a comunicação intrapessoal e interpessoal do personagem, tão necessária para sua sobrevivência.

Lançado fora de seu tempo e obrigado a dar um novo sentido a sua existência o náufrago traz lições profundas ao telespectador. O sentido metafórico da obra, indica o ser humano perdido em meio a dúvidas e acontecimentos, que precisa continuar a respirar, afinal a própria vida (na simbologia da maré) poderia trazer algo para que possamos combatê-la.

Enfim, por toda essa riqueza de detalhes “Náugrafo” é uma produção cinematográfica que merece ser vista e aclamada. Suas idéias ultrapassam o campo captado pelo senso comum e são constatadas por conhecimentos científicos, como a Comunicação Social. Mais do que promover o entretenimento, o filme permite profundas reflexões sobre o sentido da vida e da incontestável necessidade de expressão do homem social.

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