quinta-feira, 13 de novembro de 2008

“Sangue Negro” de Paul Thomas Anderson 2008

por Alessandra Collaço da Silva

Sangue Negro é a história de um explorador de petróleo, Daniel Plainview, desde sua primeira descoberta até o fracasso pessoal absoluto. Um personagem incógnito e duvidoso, que julga-se competitivo e individualista, já que afirma odiar quase todas as pessoas por só ver o pior de todas, ou quase todas, já que demonstra afeto por algumas.


É um longa-metragem que acontece muito mais no silêncio, nas expressões, ações e principalmente na trilha progressiva e macabra que contrasta com as imagens e a tamanha agressividade que envolve a maioria delas.


Se por vezes isto parece engrandecer o filme, para mim causou uma falha brutal. Assistida as primeiras seqüências por pelo menos duas vezes, destacando a seqüência de Paul Sunday com Daniel, ao final do filme não havia entendido que Paul e Eli eram irmãos gêmeos e que esta relação era fundamental para compreensão da história.


Independente do que entendi, fica evidente que o filme não esclarece e nem torna claras as ações e relações dos personagens. Não há passado de nenhum deles, não há explicação clara para a origem de H.W., não há uma evidente diferença entre Paul e Eli, não há clareza no caráter de Daniel. É por isso que ouso dizer que os personagens são feitos apenas de sugestões. A maioria parece ter caráter duvidoso e nem sempre suas ações ficam claras. Talvez uma boa representação do que realmente é o ser humano: complexo. É na sutileza e nos gestos que entendemos os personagens.


Mas falar do filme é falar de Daniel Plainview e falar dele é falar da trilha sonora.


Ao que parece, a trilha sonora não funciona apenas como um pano de fundo, mas como um complemento para suas ações e cenários apresentados. Ela evidencia suas emoções e estados de espírito. Ela consegue transmitir ironia e progressão de acordo com os acontecimentos.


Na primeira seqüência, Daniel apresenta-se explorando poços e parece procurar petróleo ou algo valioso, já que parece persistente. Por cerca de 14 minutos não há qualquer diálogo, a não ser sons e urros de dor. Não há explicação e nem a necessidade de uma, afinal entendemos claramente através da passagem dos anos informada em caracteres, e na transformação física do personagem. A trilha possui um tom macabro ao evidenciar em plano geral o percurso que Daniel precisa fazer após ferir gravemente a perna. Este tom macabro varia durante todo o filme, de acordo com os ambientes e situações perigosas do personagem e seus próximos.


Já numa seqüência posterior, a música é progressiva a cada martelada e chega num auge sonoro quando o desejado líquido negro é encontrado. Lembra-me muito a trilha da série Lost em seus momentos de maior mistério e descoberta. O som das engrenagens e ferramentas se misturam ao som instrumental, invadindo a imagem ao ponto de torna-se primeiro plano. E é em segundo plano que vemos a comemoração dos exploradores e sentimos um incomodo estado de espírito. É a excitação de Daniel ao procurar e encontrar petróleo, mas que sempre vai de encontro com o tom macabro, quando alguém morre ou se fere. Parece que para cada passo do sucesso de Daniel, ele recebe um castigo ou punição.


Com estas observações ousaria dizer que temos duas linhas narrativas: a narrativa visual e a narrativa sonora.


Na cena de Daniel no trem com o bebê, uma voz masculina saúda-nos em off “Senhoras e Senhores”, sustentando a imagem e parecendo dirigir-se ao espectador, para depois entendermos que é o discurso que Daniel está fazendo em algum tipo de reunião como explorador. É apenas mais um fragmento da história de Daniel e os percursos que traçou para se tornar produtor de petróleo, mas novamente a imagem está em segundo plano.


Outra seqüência onde a narrativa sonora se faz evidente é a seqüência onde H.W. fica surdo. Ao som de explosões e desabamentos, intercala-se um zunido constante. É esta a evidência principal e imediata da surdez do menino e é somente neste trecho que ela aparece. Quando Daniel desiste do menino, o zunido não mais aparece.


Se todo o filme é baseado no desenvolvimento de um personagem principal: Daniel Plainview, a trilha sonora neste caso, quase sempre está em função dele. Ela não é neutra ou imparcial. Ela brinca conosco, pois está mais em função do humor macabro de Daniel, do que no horror encenado nos assassinatos, no espancamento do pastor, no abandono do filho e nas suas bebedeiras.


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